Partidas

14 de Novembro

Hoje apetece-me escrever mas as ondas são um bocado negativas, portanto se parecer mais rude não se preocupem são dias…dias em que é difícil gerir sentimentos e emoções. Nós moramos no orfanato que é ao lado do hospital onde trabalhamos, ou seja, tudo gira à volta dos acontecimentos do orfanato, do hospital, dos missionários e dos voluntários e, no fundo, é isso que nos mantém tão unidos.

Hoje morreram dois bebes: um devido a problemas no parto e que ainda lutou alguns dias na incubadora e outro chegou totalmente desidratado e já mesmo sem forças nenhumas. Como devem calcular não há maneira de transmitir esta tristeza mas confesso que não é só tristeza, é revolta. Revolta pelo bebe que estava com febre e vómitos há três dias e só quando estava nas últimas, é que os pais o trouxeram…raios…não viram os sinais? Eu sei que é ignorância e que todas as “dificuldades dificultam” o acesso aos cuidados de saúde…mas caramba…vir à última? Como esta criança existem imensos casos aqui no centro médico, portanto o que não irá por aí?

A Vida é mesmo assim mas em relação ao outro bebe…todos os dias passava pela incubadora a dar uma forcinha aquele pequenino, já era habitual passar no corredor e olhar para dentro da salinha, por vezes entrar e estar…enfim…

…Tudo aqui é vivido com emoção…tudo o que se faz e se vive é sentido com força.

Depois deste dia vou falar com mãe que faz anos e com a famelga que vai jantar a nossa casa…aaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiii não há internet…que desespero…tem havido todos os dias e hoje, um dia que seria importante claro está: não houve internet…sorry mummy! Amanha no 54 + 1 tento again;)

Não falo do trabalho pois já cheguei a uma altura em que as manhas são rotina. Acordar as 7.30, tomar o mata bicho (pão com leite em po), começar a trabalhar as 8 e acabar as 13h. Claro que todos os dias há uma historia para contar das consultas seja um homenzarrão em pânico de lhe extrairmos um dente, de um outro perguntar com o ar mais assustado do mundo se doía arrancar um dente, seja uma boca com infecção há 30 anos de uma patada de uma vaca, seja de um abcesso maior que a própria cara, seja de um doente adormecer FERRADO (sim ressonou e tudo!) seja de primeiros molares acabados de nascer já completamente cariados…Juro que me custa extrair dentes definitivos em crianças…so me apetece dar uma descompostura aos pais e aos filhos mas ainda não a sei dar em crioulo ou outro dialecto…hei-de la chegar!

À noite, de facto, o que me invade a cabeça e ocupa a totalidade dos pensamento, é toda a envolvente dos meus dias, são os pequenos episódios diários, ou seja, o que poderia não ser emociante, aqui é!

No outro dia, depois de me cancelarem uma reunião fui à “capital” com a Nuria para irmos a um supermercado…comprei iogurtes e bolachas…aaaiiiii que xitex! Iogurtes da mimosa! É que o leite em pó acho que não tem o cálcio suficiente para este belo esqueleto haha…soube bem ter ido fazer umas comprinhas!

Sempre que saímos do quarto é uma surpresa…será que vamos ser invadidos pelos pequenada, ou estão no refeitório e vamos ter uma conversinha calma com os mais velhos? Qualquer dos dois são bons momentos! Se bem que as vezes temos que acalmar os piquenos porque saltam 10 para cima de cada vez e aí já faleci… Houve uma tarde que os gritos eram imensos, estavam todos á volta de qualquer coisa? Que se passa? Woooow um papagaio, feito ali na hora por um Missionário, João. Foi o maior entusiasmo de sempre...foi bom!

O meu contentor continua sem chegar…já é a risada, sempre que vejo um contentor começo aos berros a dizer: ali vão as minhas coisas! A minha higiene, a minha roupa, os meus posters, as minhas bocas!!Inclusive contentores que estão abandonados no meio da estrada…enfim..so pode dar para rir!

Um dos primeiros miúdos com quem falei e com quem criei uma grande amizade, ao ponto de irmos passear por aí, fora do orfanato, foi-se embora! O Samba, abalou…Ui… o que me custou…parecia que a dor no coração era real, que esquisito…estou tão emocional…damn it! Já tem 18 anos, quase 19 e tinha mesmo de ir, aqui estava protegido do mundo mas não o poderia ser para sempre, tem que continuar os estudos mas também começar a trabalhar e isso será feito a 7 horas daqui. Antes de sairmos para jantar despedimo-nos dele…mas não resisti às 6 da manha a ir ter com ele. Desci do meu quarto, não havia viva’lma. Fui então bater ao quarto dele, demorou a acordar, como seria de esperar a vontade era nula. “Sambita acorda, tem de ser, vamos! Toma uma ducheca e vamozimbora…” Arranjou-se e finalmente saiu do quarto, deu-me um abraço forte e disse-me coisas que nunca irei esquecer…O miúdo tocou la no deep do meu heart! Eu tinha seguido esta decisão de ele se ir embora desde o momento em que a Irmã Isabel falou com ele. Foi aí que, nos momentos que tínhamos de conversa corriqueira, me disse que gostaria de falar comigo. Fui tomar um banho rapido e voltei a descer. Tivemos a passear durante uma hora onde ele me foi completando algumas conversas que já tínhamos tido e o “tema chave”. Ele estava triste e eu não podia fazer nada…