Apetece-me escrever sobre tudo o que tenho vivido e pelo que a Guiné-Bissau tem passado, até porque a mãe e Kika disseram que seria uma boa ideia, mas tem-me parecido uma missão impossível por não perceber bem o que se passou, o porquê, a gravidade da situação e por eu própria não chegar a um consenso comigo própria: estamos calmas ou não miúda? Voltar ou não voltar? Tenho medo? Nervosa? Tensa?
Voltando
atrás...12 de Abril de 2012...
Estava
eu na nossa sala/cozinha, as 19.30 depois de um dia normal de trabalho, quando
a Marcela chega e avisa-nos que algo se passa... Um senhor tinha passado por
ela na rua e pede-lhe que vá para casa porque vai passar-se algo grave. Ela vem
e transmite-nos o recado, a partir dai os telefones não param de tocar e as
noticias na Internet não param de nos apresentar uma situação invulgar e
provavelmente caótica: militares armados por Bissau para capturar o primeiro
ministro (e candidato à presidência). Quer dizer... invulgar 100% não, pois em
Dezembro tinhamos passado pelo mesmo, mas as noticias eram “ligeiramente” mais
dramáticas...
Nós,
pela Casa Emanuel, não nos apercebemos de nada pois estamos ligeiramente longe
do centro da Capital portanto não largamos a Internet e os telefones. Um dos
telefonemas foi a avisar para ter saldo no telemóvel, ter comida e agua em
casa, uma mochila preparada com alguma roupa e precauções! Eu e Nuria demos por
nós sem saldo e que nem flashes fomos a correr à taberna aqui da frente comprar
um cartão...uiii que medo, mas estávamos protegidas pelo segurança e no fundo
não era grave os 5 metros que tinhamos que percorrer haha foi a adrenalina a
dar sinais da sua existência!!
Como
não poderia deixar de ser, desde esse dia até hoje não há outro tema à volta de
uma mesa e como é óbvio o jantar desse dia foi cheio de especulações, recheado
de interrogações e com uma pitada de nervosismo. As noticias na Internet não
paravam e sempre com más informações: o que vai ser de nos? Deste pais? O que
se está a passar? E porquê? Tiros? Raptar o primeiro ministro? Nada nos parecia
real, nada parecia fazer sentido...ou por outro lado, sabíamos que estávamos
numa fase menos tranquila com as eleições mas daí a vivermos um Golpe de
Estado?! Não estávamos preparados nem tão pouco conseguíamos encontrar
respostas para as nossas perguntas.
Na
sexta, eu e Nuria, acordamos bem cedo para ver se a situação do orfanato estava
normal ou se teriam faltado algumas trabalhadoras, graças a Deus, tinham ido
todas, algumas um pouco atrasadas devido ao pouco movimento dos toca-tocas e
táxis mas pouco a pouco chegaram. Tomamos o pequeno-almoço e fomos para o
Hospital, ainda achei que ia ter poucos
doentes, mas não, tivemos uma manha quase normal, que acabou por ser estranho –
quer dizer esta malta viveu uma noite terrível e vêm à mesma ao dentista? A
resposta estava no facto de uns estarem com dores de não dormirem há não sei
quantas noites e por outro lado, infelizmente, é um povo que já esta habituada
a este tipo de situações.
Quando
cheguei ao refeitório, para almoçar, avisam-me que Portugal já tem um grupo de militares
alerta para o casa de ser necessário uma evacuação, noticia vista de manha na
televisão, eu ai confesso que o forte que me estava a sentir demorou um pouco
e comecei a ficar nervosa, a situação seria grave mesmo?! No meio deste
nervosismo telefonam-me de uma estação de radio portuguesa, para a qual dou uma
pequena entrevista em que transmito o que me disseram e o que tinha visto na
Internet e explico que as noticias têm que ser bem dadas, porque no dia antes
as noticias em Portugal tinham sido demasiado alarmantes mas eles conseguiram
dramatizar um bocado a entrevista e no fim desse dia tive pessoas a porem-me tensa
com a noticia, que falei de mais, se não tinha medo de ter dito o que disse o
que me pôs ainda mais nervosa, já não me bastava o dia que tinha tido ainda me
sentia mal pela entrevista mas pronto... e mesmo em relação a pergunta se
voltaria para Portugal ou não, foi respondida a frio e sem emoções, ou seja, é
um facto que tenho 150 crianças a viverem debaixo do mesmo tecto que eu, nunca
seria fácil deixa-las, pensando que as trabalhadoras deixavam de ir e que a
situação podia ser complicada de gerir no orfanato e se me dessem a opção de ir
ou ficar acho que optaria por ficar mas se me telefonassem a dizer que tinha de
ir para Portugal porque a situação estaria descontrolada eu iria... mas talvez
não fosse tranquila nem de consciência limpa!
O
f.d.s seguinte era de trabalho numa ilha com o resto da malta de saúde (e não
só) da casa Emanuel mas como é óbvio deixou de o ser e ficamos por aqui,
agarrados à Internet, em alerta para o orfanato e crianças. Acabou por ser um
momento de união, de apoio aqui pela Casa mas também o consegui sentir de muita
malta portuguesa que conheço por Bissau, telefonemas, mensagens, preocupações,
um simples ola e se esta tudo bem. Como é óbvio neste tema é de realçar o ponto
MÃE haha coitadinha que sofrimento, a mãe galinha que sempre foi passou para um
galinheiro inteiro e a partir dai temos falado todos os dias porque
estranhamente a Internet tem estado óptimo desde essa quinta-feira, blog
fazivel, conversas no skype óptimas, menos uma preocupação já que se as
comunicações se cortassem era mais uma chatice... como tranquilizar quem esta do
outro lado? Mas como é óbvio consigo perceber o lado da mãe e ate me sabe bem
falar varias vezes por semana assim sempre penso noutras coisas! Gosto muito de si boneca :D Ao lado da mãe
tenho o resto da família, amigas da mãe, alguns amigos meus sempre a apoiarem
a senhora e também a darem-me força! A mãe ainda organizou uma
conversa via skype com a mãe, Kika e Catarina que foi tão bom, falar do
casamento da Kika, da vida da Catarina, algumas coscuvilhices, foram 2h de pura
lufada de ar fresco! Ah e por sorte na quinta de manha tinha ido buscar uma
encomenda da Tia Leonor, Tio Pedro e prima Leonor (que ainda pensei ir buscar
na sexta... tive um anjinho a falar ao meu ouvido de certeza!) - amêndoas!!! Mas quando eu digo amêndoas, digo
milhões de amêndoas, eram muitos sacos... têm-me dado tanto apoio físico como
emocional hahaha!! E sempre deu para espalhar alguma magia pelos missionários
:D
Foi
uma semana de puro suspense, do que se ira passar, de constante busca de
noticias... foi uma semana de pouco trabalho, que passou muito devagar, aqui
parece sempre que é sexta, mas esta semana quando deveria ser sexta ainda era
quarta! No meio disto tudo um sentimento de claustrofobia começou também a
invadir-nos já que não se podia sair de casa à noite (ainda agora não convém),
os bancos não abrem, as fronteiras aéreas e marítimas estiveram alguns dias
fechadas, voos da TAP cancelados. Lado a lado também se sentiu um ambiente pesado e de medo nas
ruas, nos primeiros dias em Bissau, havia muito pouca gente e houve muitas
familias que acabaram por sair da capital...
Aproveitei,
então, para estar mais no orfanato, brincar com a criançada, buscar novos
projectos, porque entretanto há muita escolas fechadas e o facto de não poder
ir para muito longe fez-me procurar novas ideias... confesso que sem muito
sucesso, foi uma semana pouco produtiva mas pronto acontece a todos, não?! I
hope so!
Durante
estes 10 dias muitos sentimentos passaram por este corpinho! Tive medo quando
não parava de ouvir aviões (vindos de não sei onde, para fazer não sei o que) a
noite toda, por vezes uns tiros completamente descontextualizados e solitários,
mas nunca senti que não estava segura!! Fiquei triste quando percebi que os
meus amigos Manel e Ana poderiam não vir cá. Senti muito receio pelo orfanato.
Senti pena por este povo, agora que estavam a melhorar a sua economia, que já
tinham uns anos de tranquilidade têm este Golpe de Estado que pode fazer com
que ande vários passos para trás. Senti revolta por perceber que é um povo
pacifico, calmo, que so quer tranquilidade e esta foi destruída por razões
alheias a ele. Sentimento de constante interrogação: como ficara este pais
depois do dia 12 de Abril de 2012?